Pr. Joaquim e Isménia Machado |
Quando eu era criança, penso que tinha uns 8 anos, fui com os meus pais ao Porto, onde visitámos o Lar Evangélico Português, na Rua da Boavista.
Creio que era uma cave onde os seis filhos do casal, Pr. Joaquim
e Isménia Machado, se confundiam com as não sei quantas crianças abrigadas pelo
papá e a mamã, como carinhosamente lhes chamavam.
Fiquei
deslumbrada com o relacionamento tranquilo e carinhoso; havia uma desordem ordenada;
crianças para cá e para lá; cheirava a chichi… Não interessa, fiquei com vontade de
viver ali!
A
obra iniciada em 1948, com parcos recursos e na casa do Pastor, mantém-se de pé; noutras
instalações e muito melhores condições, tem, ao longo dos anos, formado homens
e mulheres.
Depois,
foram fundados muitos outros lares que abrigam, educam e veem crescer crianças
a quem foi negado o direito ao lar/família de origem.
Tenho
uma enorme admiração pelos homens e mulheres que dedicam uma boa parte das suas
vidas a amar os filhos de ninguém e a tentar que lhes sejam reconhecidos os
seus direitos.
Ana Rute Calaim Lamúria |
Um
dia desta semana, estava na internet, quando me deparei com um texto
fantástico, escrito por uma jovem senhora (como esta gente cresce) que bem conheço. Fiquei emocionada e
cresci um pouco mais…!
A
jovem (Ana Rute Calaim Lamúria), membro da Igreja Evangélica de Sintra, é responsável
por um Lar de Crianças do Exército de Salvação.
Deixo aqui o texto, devidamente autorizada, e mais não digo.
Coração sem Fronteiras
Convidaram-me
para falar sobre o que é ser mãe numa instituição.
Sorrio
e penso que muitas vezes o meu papel é mais o de pai do que de mãe. O papel de
mãe fazem as minhas colegas, que os deitam, que tratam deles, que lhes dão
banho, que estão no acordar, que os educam, e que quando algo aperta chamam por
mim.
A
casa que dirijo, é uma casa onde moram 14 crianças, meninos e meninas, dos 0
aos 12 anos. Actualmente o mais pequenino tem 3 meses e o mais velho 12 anos.
Todas
elas foram crianças consideradas “em risco”.
Enquanto
vivem lá, a equipa técnica deverá ajudar na definição do futuro da criança.
Voltará ela para a sua família biológica? Irá ter uma nova família? Continuará
numa instituição.
Enquanto
procuramos respostas a estas perguntas surge o papel de ser mãe.
A
adaptação à nova casa é muitas vezes difícil. Deixamos de estar com aqueles que
amamos para aprender a amar novas pessoas. Novos paradigmas têm que ser
aprendidos. Afinal quem cuida de mim não me magoa? Está preocupado comigo? Este
caminho por vezes também é doloroso. Permitirmos que nos amem!
Ser
mãe numa instituição é lidar com muitas crianças.
É
dar proteção, amor e educação.
É
ser-se responsável.
É
ensinar a receber amor: é dizer “tu és muito especial para mim!”
É
estar lá para ver o primeiro sorriso, o primeiro andar.
É
estar presente nas vitórias e nas derrotas.
É
dar um abraço quando choram pela presença da mãe.
É
ir ao médico com ela.
É
ir à festa da escola e perceber o sorriso triste porque a mãe não está
presente, mas
ver o sorriso porque afinal nós estamos presente.
É
lidar com algumas birras. É lidar com ansiedades, frustrações, mau estar e
sofrimento.
É
rir muito. É sorrir muito.
É
ter a capacidade de os ver entrar e sair e lidar com o misto de sentimentos de
alegria e dor. Alegria pelo futuro que lhes reserva. Dor pela saudade que já
deixaram.
É
confortar quem fica (as outras crianças) pelos amigos que já foram embora.
Por
vezes, pedem-nos para sermos sua mãe. Aí, é ensinar a confiar que irão ter uma
mãe.
Ser-se
mãe numa instituição tem muitas lutas. Momentos de muito desgaste. Mas também
momentos que nos enchem o coração.
Enquanto
profissional numa casa de acolhimento, posso dizer que mais que uma mãe
biológica, as crianças querem saber e viver que pertencem a alguém.
Podemos
ajudar a que haja menos crianças em risco?
Sim,
podemos!
Podemos
olhar para o nosso amigo, vizinho, familiar e perguntar e/ou perceber se
precisa de ajuda para cuidar dos seus filhos.
A
bíblia diz:
“Conhecemos
o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos
irmãos.
Quem,
pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas
entranhas, como estará nele o amor de Deus?”
Muitas
das famílias que nos chegam, são famílias desamparadas, sem suporte familiar ou
social.
Enquanto
igreja, enquanto família, os nossos braços têm que ter a capacidade de abraçar
além fronteiras.
Não
nos esqueçamos que somos filhos herdeiros de Deus, com a particulariedade de
termos sido adoptados!
“Porque
todos os que são guiados pelo Espírito de Deus esses são filhos de Deus.
Porque
não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas
recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai.
O
mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.”
Da
mesma forma que Deus nos adoptou, é importante adotarmos as pessoas à nossa
volta. Não ficar à espera que venham ter até nós a pedir ajuda, mas fazermos
como Deus e irmos ter com as pessoas.
Ser
mãe numa instituição é poder dar aquilo que Deus nos dá. É obedecer Àquele que
nos adoptou.
16.05.2014
Ana
Rute Calaim Lamúria